Por Raquel Regina Bonelli
Em janeiro de 2012, um artigo na BMC Microbiology assinado pelos renomados pesquisadores Liise-Anne Pirofski e Arturo Casadevall, trouxe de forma objetiva, concisa e clara uma reflexão sobre patogenicidade, avaliada sob o ponto de vista da microbiologia contemporânea. Os autores destacam que, apesar de originalmente a patogenicidade ter sido atribuída a fatores como a produção de cápsula ou de toxinas, hoje se sabe que para muitos patógenos não é possível identificar um fator chave determinante para a doença. De fato, as propriedades de patogenicidade estão também intrinsecamente ligadas ao hospedeiro.
Considerando que o sistema imune é capaz de conter e controlar muitas infecções, é óbvio que um hospedeiro debilitado tende a ser mais susceptível a doenças bacterianas. No entanto, é importante lembrar que uma vez que somos colonizados por inúmeras espécies de bactérias, a diferença entre ficar ou não doente pode estar nas condições em que se estabelece o contato entre o (potencial) patógeno e o hospedeiro. Neste contexto, o uso de antimicrobianos (que podem selecionar a microbiota) ou a exposição de áreas antes estéreis (como no caso de cirurgias ou do emprego de catéteres) são exemplos de fatores que criam condições para também um micro-organismo considerado não-patogênico levar a um quadro de doença no hospedeiro. Muitas vezes, não é nem mesmo algum fator produzido pelo micro-organismo diretamente e sim a resposta imune por ele induzida que leva ao dano.
Não por acaso, cada vez mais a palavra virulência faz parte do universo da microbiologia médica. Ao contrário do que pode parecer, esse termo não é intercambiável com patogenicidade. A patogenicidade é um conceito absoluto que determina se uma bactéria é ou não capaz de causar doença em um hospedeiro, enquanto a virulência é uma unidade contínua e se refere à intensidade do dano causado, podendo variar conforme a cepa ou o ambiente em que a interação com o hospedeiro se dá.
Assim, segundo os autores, tentativas de classificar micro-organismos como patógenos, não-patógenos, oportunistas ou comensais tendem a esbarrar sempre na imprevisível dinâmica que se estabelece entre o micro-organismo e o hospedeiro. A compreensão cada vez melhor dos processos de patogenicidade depende, portanto, da contínua aquisição de novos conhecimentos.
Fonte: Pirofski, L.-A. & Casadevall A. What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biology 10:6, 2012
Leia mais em: Casadevall, A; Fang F. C. & Pirofski L.-A. Microbial virulence as an emergent property: consequences and opportunities. PLoS Pathog 7:e1002136, 2011.
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