Por Raquel Regina Bonelli
Historicamente consideramos a resistência a antimicrobianos apenas no contexto clínico, focando no enorme potencial de disseminação de microrganismos resistentes que o uso indiscriminado de antibióticos provoca. De fato, os altos índices de resistência observados em bactérias patogênicas são um dos maiores desafios da microbiologia médica para o século XXI.
Observando o desenvolvimento histórico da resistência aos diferentes antibióticos, fica claro que a incorporação de uma nova droga no plantel de medicamentos disponíveis para o tratamento de doenças infecciosas logo é seguida pela emergência de cepas resistentes. Um dos mecanismos que pode levar a isso é a ocorrência de mutações pontuais do DNA da bactéria, que, ao acaso, podem conferir uma vantagem e assim possibilitar a seleção da cepa resistente, assim que essa entrar em contato com o antibiótico.
No entanto, a resistência observada para a maior parte dos antibióticos não se estabelece dessa forma, sendo, ao contrário, incorporada pronta a partir de outras bactérias, através de elementos genéticos móveis. Pesquisas com o objetivo de identificar a origem desses genes apontam que uma possível fonte são bactérias produtoras de antibióticos na natureza, o que é bastante racional, uma vez que estas necessitam de mecanismos para se proteger do próprio antimicrobiano que produzem. Mas, surpreendentemente, muitos genes de resistência são também oriundos de bactérias que não produzem, nem tiveram contato com concentrações potencialmente ativas de antibióticos. Esse cenário é intrigante porque levanta questões como: que funções biológicas teriam esses genes nas suas bactérias de origem, se não para protegê-las de antimicrobianos? Quantos outros genes, ainda desconhecidos em bactérias ambientais, podem a qualquer momento emergir codificando um novo mecanismo contra medicamentos antimicrobianos? Que bactérias são estas, que atuam como silenciosos reservatórios de mecanismos de resistência na natureza?
Possivelmente, ferramentas de metagenômica e sequenciamento de alta performance irão nos aproximar dessas respostas nos próximos anos. Essa abordagem nova, que integra microbiologia médica e ambiental, será certamente valiosa para a compreensão da dinâmica do desenvolvimento da resistência aos antimicrobianos em patógenos humanos e do papel do meio ambiente nesse processo.
Fonte: Martinez, J.L. Natural antibiotic resistance and contamination by antibiotic resistance determinants: the two ages in the evolution of resistance to antimicrobials. Front Microbiol. 2012, 3:1-3.
Para ler mais: Allen HK, et al. Call of the wild: antibiotic resistance genes in natural environments. Nat Rev Microbiol. 2010, 8(4):251-9.
Fonte: Martinez, Science. 2008, 321 (5887): 365-7.
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